Tenho observado com crescente preocupação, a partir da minha posição como investigador de crimes cibernéticos, um fenômeno que afeta diretamente o bem-estar econômico das comunidades brasileiras: a drenagem silenciosa de recursos causada por este tipo de crime. Este é um problema que ultrapassa a esfera individual e atinge diretamente a vitalidade econômica de bairros, vilas e cidades inteiras.
Os golpes virtuais representam uma forma particularmente danosa de criminalidade que ainda não é plenamente compreendida em sua dimensão econômica coletiva. Diferentemente de crimes tradicionais, onde os recursos roubados geralmente permanecem circulando na economia local, os crimes cibernéticos operam em uma lógica completamente distinta e devastadora.
Quando um idoso perde suas economias em um golpe do falso funcionário de banco via WhatsApp, quando um comerciante local tem sua conta bancária comprometida por um phishing, ou quando uma família transfere recursos para um falso site de compras, não estamos apenas diante de tragédias individuais – estamos testemunhando a saída definitiva desses recursos da economia local.
O EFEITO CASCATA DO EMPOBRECIMENTO COMUNITÁRIO
Consideremos um exemplo prático: quando um assalto tradicional ocorre em um bairro, por mais lamentável que seja, o dinheiro subtraído frequentemente continua circulando na economia local. O criminoso compra produtos no comércio da região, frequenta estabelecimentos locais, e esses recursos, embora obtidos ilicitamente, ainda geram alguma atividade econômica no território.
Em contraste, quando um morador perde R$ 5.000 em um golpe virtual, esse valor é instantaneamente transferido para contas em outras regiões ou países. Esse dinheiro:
- Não será gasto no mercadinho do bairro;
- Não circulará na farmácia local;
- Não ajudará a manter empregos na padaria da esquina;
- Não contribuirá com impostos que retornariam em serviços municipais.
Multiplicado por dezenas ou centenas de vítimas mensais em uma única cidade, estamos falando de um escoamento constante de riqueza que empobrece toda a comunidade. Uma cidade de médio porte pode facilmente perder milhões de reais anualmente – dinheiro que sai da economia local e nunca mais retorna.
A EDUCAÇÃO DIGITAL COMO BARREIRA DE PROTEÇÃO ECONÔMICA
A ausência de educação em segurança digital para a população comum não é apenas uma questão técnica ou de segurança pessoal – é um problema econômico coletivo. Cada cidadão que não sabe identificar um golpe online representa uma potencial “exportação involuntária” de recursos para fora da comunidade.
Quando um pequeno empresário local perde R$ 20.000 em um golpe de falsa compra com pagamento via PIX, não é apenas seu negócio que sofre – são os fornecedores locais que deixarão de receber, os funcionários que podem perder seus empregos, os impostos municipais que não serão recolhidos.
A educação digital da população deveria ser tratada como uma questão de desenvolvimento econômico local. Comunidades onde os cidadãos sabem se proteger de fraudes online são comunidades que conseguem manter seus recursos circulando internamente, gerando mais empregos, mais consumo local e mais prosperidade compartilhada.
O CUSTO DA INAÇÃO
O custo da negligência com a educação digital é particularmente alto para as populações mais vulneráveis. Os idosos, frequentemente alvos preferenciais de golpistas, perdem economias de uma vida inteira que poderiam estar movimentando o comércio local. Pequenos empreendedores, já fragilizados por desafios econômicos, veem seus negócios inviabilizados após caírem em golpes virtuais.
Estima-se que o brasileiro médio tenha 47% de chance de sofrer algum tipo de fraude online durante o ano. Com valores médios subtraídos entre R$ 2.000 e R$ 15.000 por golpe, uma cidade de 100 mil habitantes pode perder anualmente mais de R$ 10 milhões que simplesmente desaparecem da economia local.
MEDIDAS PRÁTICAS PARA AUMENTAR A RESILIÊNCIA DA POPULAÇÃO
É urgente que as comunidades brasileiras comecem a enxergar a educação de segurança digital como uma forma de proteção econômica coletiva. Algumas medidas práticas incluem:
- Campanhas comunitárias de conscientização sobre golpes digitais;
- Formação de multiplicadores locais em segurança digital;
- Inclusão do tema em escolas municipais;
- Orientação específica para grupos vulneráveis, como idosos;
- Capacitação de comerciantes locais para identificar e evitar fraudes.
Cada cidadão educado digitalmente não protege apenas a si mesmo – protege toda a comunidade contra um dos mais significativos drenos econômicos da atualidade. A educação em segurança digital não é um luxo técnico, uma coisa chata, mas uma necessidade econômica básica para qualquer comunidade que deseje prosperar nessa era em que o desenvolvimento tecnológico é galopante.
Sobre o autor:
Elias Edenis é professor de Investigação de Crimes Cibernéticos, Análise de Dados na Investigação Criminal e Segurança Operacional On-line (OPSEC) na Academia de Polícia Civil, nos cursos de formação inicial e continuada e na Pós-Graduação em Análise de Dados; Agente de Polícia Civil, lotado na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, da DEIC/PCSC; Autor do livro digital Noções de Tecnologias para Investigadores Criminais; É Palestrante e Promotor de Conscientização sobre Segurança Digital e a Relação da Tecnologia com o Direito, especialmente produção de provas digitais e manutenção da cadeia de custódia.